Síndrome de Diógenes
A Síndrome de Diógenes (“messy house syndrome”, “senile self-neglect”, “senile recluse syndrome”, “severe domestic squalor”) é uma alteração comportamental que geralmente ocorre entre pessoas idosas, caracterizada pelo isolamento social, pela autonegligência (descuido com o autocuidado, com a higiene pessoal e do lar), pelo comportamento paranóico e pelo colecionismo.
Em 1975 esta Síndrome foi descrita e nomeada, uma certa injustiça ao filósofo grego Diógenes de Sínope, também chamado Diógenes "o Cínico" (kynikos, kynon = cachorro). Diógenes acreditava que a virtude não deveria ser uma teoria mas uma ação prática, resultado da própria vivência, assim optou por viver na miséria, habitando um grande barril como lar e carregando à luz do dia uma lanterna acesa em busca de um homem honesto; acreditava que faria bem ao ser humano aprender com o cão:
"afinal o cão é capaz de realizar suas funções corporais naturais em público sem constrangimento, um cachorro comerá qualquer coisa, e não fará estardalhaço sobre que lugar dormir. Cachorros vivem o presente sem ansiedade, e não possuem as pretensões da filosofia abstrata. Somando-se ainda a estas virtudes, cachorros aprendem instintivamente quem é amigo e quem é inimigo. Diferente dos humanos que enganam e são enganados uns pelos outros, cães reagem com honestidade frente à verdade."
Paradoxalmente, o Cinismo anárquico de Diógenes nada tem em comum com o emprego atual da palavra, assim como a vida despojada de bens de Diógenes nada se assemelha à Síndrome que leva seu nome.
Na Síndrome de Diógenes (SD) o colecionismo e cúmulo são a tônica, em detrimento do autocuidado. É possível observar desde casos de pessoas que colecionam todo tipo de objetos: recolhendo lixo e todo tipo de objetos inúteis (syllogomania) - até o acúmulo de animais, chegando esta Síndrome a ganhar outro epônimo - Síndrome de Noé.
Recentemente, a depender de seu curso clínco, pode ser chamada de Transtorno de Acumulação, como se fora uma especificidade do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), foi ao longo dos anos, ganhando destaque nas descrições nosográficas do DSM e mais recentemente individualizou-se na CID-11 onde aparece como entidade nosológica distinta:
“O transtorno de acumulação é caracterizado pelo acúmulo de objetos devido à aquisição excessiva ou dificuldade de descartá-los, independentemente de seu valor real. A aquisição excessiva é caracterizada por impulsos repetitivos ou comportamentos relacionados à acumulação ou compra de itens. A dificuldade em descartar bens é caracterizada por uma necessidade percebida de salvar itens e ansiedade associada a descartá-los. A acumulação de objetos resulta em espaços de vida tornando-se desordenados a ponto de que seu uso ou segurança sejam comprometidos. Os sintomas resultam em sofrimento significativo ou prejuízo significativo em áreas pessoais, familiares, sociais, educacionais, ocupacionais ou outras áreas importantes de funcionamento.” (tradução livre) (World Health Organization, 2018)."
QUADRO CLÍNICO
A SD caracteriza-se por:
- descuido severo com o cuidado pessoal
- abandono do cuidado ambiental
- isolamento social marcante
- falta de pudor e reduzida autocrítica para o problema
- comportamento acumulador
A SD pode ocorrer ainda aos pares, por exemplo, entre parentes ou cônjuges (irmãos, entre mãe e filha), é a Síndrome de Diógenes por Proximidade ou Síndrome de Diógenes à Deux. Neste caso, temos uma pessoa doente, dominadora, que faz do outro, passivo, capaz de conviver com situação.
EPIDEMIOLOGIA
Apesar de ser predominantemente descrita na terceira idade, pode ocorrer entre adultos jovens também.
A incidência anual é de 5/10.000 entre aqueles acima de 60 anos que residem sozinhos ou com familiares, e pelo menos a metade é portadora de demência ou algum outro transtorno psiquiátrico.
A síndrome acomete indivíduos pertencentes a todas as classes sociais e parece ser igualmente prevalente entre homens e mulheres. A maioria são pessoas que moram sozinhas (solteiras ou viúvas), que possuem recursos pelo menos suficientes para sustentarem-se, apesar de aparentar uma vida miserável.
Os pacientes com maior risco de apresentarem a síndrome são idosos independentes e dominadores, que moram sozinhos, com pouca ou nenhuma interação com a comunidade.
Geralmente são pessoas com inteligência normal ou acima da média.
Classicamente as principais doenças encontradas nos portadores de SD foram demência (44%), abuso de etílicos, transtornos afetivos e parafrenia. Entretanto, descrições mais recentes relatam a ocorrência de SD em associação com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), transtornos de personalidade (especialmente o transtorno de personalidade obsessivo-compulsiva), esquizofrenia, demência, e até mesmo acidente vascular cerebral.
CAUSAS
Há algumas hipóteses:
- Seria o “estágio final” de um transtorno de personalidade.
- Seria uma manifestação de demência fronto-temporal
- Seria o estágio final do subtipo hoarding do TOC
PSICOPATOLOGIA
Os portadores da SD são pessoas solitárias e paranóides com pouca ou sem nenhuma crítica sobre seu comportamento. Não basta ser solitário e estar deprimido para ter SD, as pessoas com esta síndrome têm uma agravante: a desconfiança do mundo à sua volta propiciavam uma tendência ao isolamento social.
Diante de um desencadeante, principalmente após uma situação de perda de contato com o mundo (morte de algum ente, demissão, aposentadoria, perda de mobilidade, violência) o sintoma de acumulação de objetos (colecionismo) é agravado.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
A Síndrome de Diógenes faz diagnóstico diferencial com várias outras doenças: transtorno obsessivo compulsivo, transtorno de personalidade obsessivo-compulsiva, esquizofrenia, demência, anorexia nervosa, autismo, síndrome de Prader-Willi e lesão do córtex orbitofrontal esquerdo ou bilateral.
Cabe ao psiquiatra discernir se a paciente apresenta alguma comorbidade psiquiátrica juntamente com a SD ou se uma das doenças acima sozinha justifica o colecionismo e a autonegligência.
EXAMES COMPLEMENTARES
São necessários além da avaliação psiquiátrica usual (exame psíquico) que o psiquiatra realize:
- avaliação cognitiva;
- exame neurológico;
- exames complementares de rotina (ECG/Teste ergométrico, hemograma, glicemia de jejum, eletrólitos, TSH/T4 Livre, TGO/TGP, gama-GT, uréia/creatinina... )
- ressonância magnética do encéfalo
TRATAMENTO
O tratamento é um desafio: se há familiares ou suporte social de amigos torna-se mais promissor, vez que nestes casos pode-se mostrar com exemplos ao portador da Síndrome que o mundo não o renega.
Mas além de suporte há outros complicadores, como a personalidade pré-mórbida do paciente, principalmente no que se refere a idéias paranóides.
Assim, muitas vezes os casos para receberem uma intervenção médica necessitam primeiramente de uma intervenção judicial: com o Poder Jurídico obrigando a pessoa a tratar-se para que possa manter sua casa em condições sanitárias de modo a não impossibilitar a habitação naquela rua ou naquela região do bairro, ou para resguardar a saúde de animais de estimação.
Há casos em que além da saúde mental comprometida a autonegligência propiciou o surgimento de desnutrição e de doenças infecto-parasitárias, as quais devem ser urgentemente abordadas. Ainda durante o tratamento destas doenças há o risco da pessoa sucumbir a pneumonias e outras infecções comuns entre idosos acamados.
O tratamento psiquiátrico deve contemplar intervenções psicoterápicas e uso de psicofármacos, conforme os sintomas predominantes.
Não há uma estratégia terapêutica única indicada.
BIBLIOGRAFIA
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