Síndrome Alcoólica Fetal

A Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) é uma condição complexa que ocorre como resultado da exposição ao álcool no útero e é caracterizada por dificuldades físicas, comportamentais e de desenvolvimento neurológico. Ela está no extremo mais grave dos Transtornos do Espectro Alcoólico Fetal (TEAF)uma série de condições na criança causadas pelo consumo de álcool pela mãe durante a gravidez da qual fazem parte além da SAF: a Síndrome Alcoólica Fetal Parcial, Transtorno do Desenvolvimento Neurológico Relacionado ao Álcool (TDNRA), um Distúrbio Neurocomportamental associado à Exposição Pré-natal ao Álcool (DN-EPA) e Defeitos Congênitos Relacionados ao Álcool (DCRA). 

A SAF tem prevalência mais frequente que outras síndromes conhecidas como a Síndrome de Down (1,3/1000, EUA): estudos recentes nos Estados Unidos mostraram que atualmente, a síndrome alcoólica fetal varia de seis a nove casos por 1000, enquanto os TEAF variam de 24 a 48 casos por 1000.

Paradoxalmente, apesar de apresentar uma prevalência tão alta nas populações ocidentais, a Síndrome Alcoólica Fetal é uma doença totalmente prevenível.

A gravidade dos sintomas da SAF varia. Algumas crianças apresentam problemas muito maiores do que outras. Os sintomas podem incluir uma combinação de problemas relacionados ao desenvolvimento do corpo; ao pensamento, à aprendizagem e ao comportamento; e ao funcionamento e enfrentamento da vida diária.

O consumo de álcool por gestantes pode provocar desde disfunções mais sutis, passando pelo quadro completo da SAF, podendo chegar até o parto prematuro, aborto, morte fetal e uma série de deficiências físicas, comportamentais, cognitivas, sociais e motoras que perduram ao longo da vida. 

Sabe-se que o álcool é sempre nocivo ao organsimo humano, que quanto maior a dose consumida maiores as chances de adoecimento, e que na gestação, como seria de se esperar, não há níveis seguros de consumo de bebida álcoolica, portanto, a bebida alcoólica jamais deve ser consumida durante o período gestacional. Entretanto, nem todas as crianças nascidas de mães que consumiram álcool no período gestacional desenvolvem os seus efeitos deletérios.

Fatores de risco

A exposição pré-natal ao álcool é teratogênica nos três trimestres, ou seja, em toda a gravidez.  Qualquer quantidade de álcool consumida em qualquer estágio da gravidez pode levar à SAF ou a TEAF. Os fatores que aumentam o risco de SAF são: 

  • Mulheres com mais de 30 anos com uma longa história de álcool são mais propensas a dar à luz uma criança com síndrome alcoólica fetal
  • Nutrição pobre
  • Já ter um filho com síndrome alcoólica fetal aumenta o risco em crianças subsequentes
  • Mulheres com suscetibilidade genética: metabolização lenta do álcool aumenta o risco.

 

FISIOPATOLOGIA

O álcool entra na circulação, segue em direção ao fígado, onde após reação de oxidação transforma-se em acetaldeído, substância com alta capacidade de difusão em tecidos e líquidos corporais.

No corpo da gestante, o álcool atravessa a placenta através do sangue materno, chegando ao líquido amniótico e feto. Após uma hora os níveis de etanol no líquido amniótico e no sangue fetal são equivalentes aos da gestante. Mas, o organismo do feto não está apto para metabolizar o álcool, isto faz com que a concentração de álcool no seu sangue fetal permaneça elevada por mais tempo, dependendo para sua redução do teor alcoólico fetal do retorno do sangue sendo à circulação materna.

São vários os mecanismos de toxicidade fetal: 

- Morte de uma série de tipos celulares, o que pode causar desenvolvimento anormal de diferentes partes do corpo do feto;

- Interrupção do desenvolvimento normal de células responsáveis por diferentes funções do cérebro; 

- Vaso-constricção placentária, dificultando o fornecimento de nutrientes e oxigênio para o feto e prejudicando seu desenvolvimento natural;

- Afeta o sistema imunológico fetal, causando um aumento nas citocinas pró-inflamatórias e uma redução na proliferação e maturação dos linfócitos;

- O etanol promove o aumento de IL-1, IL-1, TNF-o e CCL2 no cérebro, levando a neuroinflamação e neurodegeneração;

- A redução da produção gestacional de alfa-fetoproteína foi associada ao consumo de álcool e ao aumento dos níveis de IL-6 durante a gravidez: a IL-6 é uma das citocinas tipicamente aumentadas entre crianças com TEA, e uma possível correlação foi relatada entre os níveis reduzidos de alfa-fetoproteína em mulheres grávidas e a presença de TEA na sua prole;

- A ingestão de álcool durante a gravidez foi relatada como associada a alterações na neurotransmissão, afetando especificamente a liberação de L-glutamato no hipocampo do feto e, atrasando o crescimento neuronal;

- Subprodutos tóxicos do metabolismo do etanol podem permanecer concentrados no cérebro e contribuir para o desenvolvimento da SAF.

A incidência A taxa de incidência de tiques, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), retardo mental e Transtorno do Espectro Autista (TEA) estão significativamente aumentados entre as crianças diagnosticadas com SAF em comparação com crianças não diagnosticadas.

A prevalência de SAF aparece em terceiro lugar nas exposições pré e pós-natais entre crianças TEA, atrás apenas de prematuridade e hipóxia perinatal. Nos irmãos destas crianças a SAF está em quarto lugar em prevalência.

O estresse oxidativo relacionado ao etanol tem sido considerado envolvido na patogênese do TEAF e o ácido fólico foi implicado na redução da gravidade desse dano. Sabe-se que o ácido fólico também está muito relacionado à patogênese do TEA, tanto por alterações nos receptores de ácido fólico quanto pela insuficência intracerebral desta vitamina.

COMO DIAGNOSTICAR? 

É importante verificar a história gestacional da pessoa que será avaliada, pesquisando a ingesta materna de álcool. As informações familiares nem sempre são fidedignas. 

Pessoas dentro do Espectro Alcoólico Fetal tem pelo menos uma das seguintes características: fácies anormais, anormalidades do sistema nervoso central e retardo de crescimento.

A síndrome alcoólica fetal é diagnosticada pela presença de todos os seguintes critérios:

  • A presença de pelo menos duas das três características faciais: fissuras palpebrais pequena, lábio superior fino, filtro nasal liso.
  • Retardo de crescimento intra-útero e pós-natal (microcefalia...)
  • Defeitos do Sistema Nervoso Central (SNC)

Existem ainda características físicas que não são diagnósticas mas estão associadas à SAF: 

  • Hipoplasia maxilar
  • Micrognatia
  • Diminuição da distância interpupilar
  • Defeitos estruturais nos sistemas cardiovascular, renal, musculoesquelético, ocular e auditivo.

As manifestações para o Sistema Nervoso Central variam amplamente: 

  • Desde irritabilidade, nervosismo e atrasos no desenvolvimento na infância
  • A hiperatividade, desatenção e dificuldades de aprendizagem na infância, que podem ser diagnosticadas erroneamente como simples transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH)
  • Dificuldades de coordenação motora, reflexos anormais, 
  • Baixo desempenho acadêmico, comprometimento na resolução de problemas
  • Deficiências nas funções executivas, como planejamento cognitivo e formação de conceitos, má compreensão das consequências das ações
  • Habilidades sociais deficientes
  • Dificuldades com as atividades da vida diária e problemas com o controle dos impulsos, que podem se manifestar, interrompendo a escola, incapacidade de manter o emprego ou comportamento sexual inadequado.
Há indícios indiretos sugestivos, principalmente em adolescentes e adultos, que devem fazer suspeitar de transtornos do espectro alcoólico fetal:
  • Experiência anterior com o sistema de justiça juvenil ou sistema de assistência social
  • Ter um irmão com transtornos do espectro alcoólico fetal
  • Desemprego recorrente
  • Histórico de abuso de substâncias e histórico de comportamentos sexuais inapropriados, como toque impróprio e exposição inapropriada.

Na Síndrome Alcoólica Fetal parcial (SAFp) a pessoas apresenta duas das características faciais características e, dependendo de onde a exposição ao álcool foi documentada, varia em seus outros critérios.

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

A SAF faz diagnóstico diferencial com outros Transtornos do Espectro Alcoólico Fetal, como:
  • Defeitos Congênitos Relacionados ao Álcool (DCRA): apresenta-se é com defeitos físicos secundários à exposição fetal conhecida ao álcool, mas que sem apresentam déficits neurocomportamentais.
  • Transtorno Neurodesenvolvimental Relacionado ao Álcool (TNRA): há comprometimento neurocomportamental no contexto de exposição pré-natal documentada ao álcool, com achados físicos mínimos ou inexistentes. Não podem ser diagnosticados antes dos três anos de idade.
Além disto, também faz diagnóstico diferencial com outras condições:
  • Síndrome de Dubowitz
  • Embriopatia fetal por tolueno
  • Fenilcetonúria materna (PKU)
  • Fenocópias
  • Alguns casos de deleção 22q11

 

TRATAMENTO

O tratamento não inclui a promessa de cura e deve ter por objetivo otimizar o desenvolvimento da criança ou adolescente com SAF, de modo que possa minimizar sua deficência mental, seus comportamentos pouco adaptativos e evitar o risco de comportamentos de adição à substâncias psicoativas, sexo de risco e delinquência.

 

PREVENÇÃO

A associação desta Síndrome ao retardamento mental, transtornos de aprendizagem e ao TDAH e TEA tornam sua identificação precoce um importante problema de saúde pública vez que a exposição materna ao álcool é um fator prevenível para a ocorrência destes transotornos. 

 

BIBLIOGRAFIA

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